Mundo DNA - Mortais em resgate de deuses
Card image cap

Mortais em resgate de deuses

A doença de Alzheimer (DA) é assim chamada em alusão ao nome de seu descobridor, Alois Alzheimer. Trata-se do tipo mais comum de demência (cerca de 70%), quadro caracterizado por perda progressiva das funções cognitivas: memória, habilidades de linguagem/comunicação e capacidades de aprendizado/orientação. Estes sintomas são fruto de alterações morfológicas neuronais. O principal fator de risco para a doença de Alzheimer é a idade. Cerca de 11% das pessoas acima dos 65 anos são acometidas. Acredita-se que variantes de DNA sejam o segundo maior fator de risco, dado que de 50 a 80% da manifestação da doença é devida a componentes genéticos. A literatura científica já descreveu a influência de diversos genes e de suas variantes no surgimento da DA. A variante reconhecida como de maior risco é chamada APOE4, uma das formas que o gene APOE pode assumir. Na população, encontramos 25% de indivíduos que portam uma cópia dessa variante e cerca de 3% que portam duas cópias. A presença de uma cópia aumenta o risco de manifestação da doença em 3 a 4 vezes e a presença de duas cópias, em 8 a 12 vezes.

Deus nórdico em alerta
A imagem de força e vitalidade de Chris Hemsworth, Thor no cinema e uma das estrelas de Limitless, série que testa as fronteiras do corpo humano, parece não combinar com um dos resultados de um teste de DNA que o ator fez por ocasião da produção da série. Hemsworth compõe os 3% de portadores de duas cópias de APOE4. Testes genéticos, em sua grande maioria, não tratam de diagnósticos. Tratam de propensões, de possibilidades. Podem - e devem - ser usados como métodos auxiliares em nossas tomadas de decisão, especialmente quando o assunto é saúde. O deus sem limites, agora em alerta, anunciou uma parada em suas atividades. Pretende dedicar-se à família e à adoção de medidas preventivas...como um bom mortal.

Mortais ao resgate
Em nosso mundo de mortais, não há manobras mágicas que possam nos salvar de destinos menos afortunados, mas sobram capacidades de investigação, de aprendizado e de propor soluções à luz do conhecimento. Não podemos voar ou controlar o clima, mas não podemos alegar não ter um poder ou outro. E, na mesma semana de novembro em que o deus nórdico descobria sua dupla cópia de APOE4, um grupo de mortais anunciava descobertas sobre como essa variante está implicada nas modificações neuronais envolvidas na DA. Os céus e a terra precisam um do outro. E os heróis nem sempre estão do lado mítico da história.
O gene APOE produz uma proteína cuja função é transportar moléculas de gordura como o colesterol. O colesterol, por sua vez, é um importante componente da bainha de mielina, um revestimento que envolve os neurônios e os isola eletricamente. Este isolamento é o que possibilita a transmissão dos impulsos elétricos responsáveis pelo tráfego de informações cerebrais e consequente função cognitiva. Sem bainhas de mielina operacionais, o cérebro não funciona como esperado.
Nossos caros mortais do estudo previamente mencionado mostraram que a vilã APOE4 desregula esse processo ao prejudicar a formação da bainha de mielina. A proteína produzida por essa variante não age como a da variante mais comum do gene e altera a síntese, o transporte e a localização do colesterol. Ele não fica disponível para cumprir sua missão final de compor o revestimento dos neurônios. Temos então um funcionamento inadequado destas células, que não se comunicam como deveriam devido ao isolamento elétrico deficiente. Um cenário que é compatível com o padrão sintomatológico de perda cognitiva.
Conhecer os mecanismos que justificam os sintomas propicia que opções terapêuticas sejam testadas. Os mortais não hesitaram. Em camundongos, o uso de um fármaco capaz de restabelecer o fluxo do colesterol até as bainhas melhorou a memória e o aprendizado dos animais, mesmo nos portadores da variante APOE4. O conhecimento é ou não um superpoder?
(Um ensaio clínico de fase 2 com a droga usada no estudo está atualmente recrutando participantes nos Estados Unidos.)

A saga continua
Este episódio conta apenas um trecho de uma saga cheia de núcleos, reviravoltas e personagens. Como no cinema, na franquia intitulada “Doença de Alzheimer” ainda veremos novas tramas e novos atores, novos mocinhos e novos bandidos.
Assim é a ciência, que nos serve como bússola em busca de maior bem-estar e saúde. Nem sempre da forma e no tempo que desejamos, com alguns altos e baixos, porém sempre incremental e repleta de finais felizes. Nesta caminhada, o uso de testes genéticos e a sua correta interpretação com a ajuda de especialistas podem ser boas opções. Sua grande utilidade está em nos alertar para a adoção de estratégias que minimizam os desfechos menos favoráveis presumidos com base no DNA. Acesse os dois últimos links ao final deste texto para conhecer as recomendações do Ministério da Saúde e do CDC (Centers for Disease Control and Prevention/EUA).
Suponho que Thor ou qualquer outro deus-herói estenderia o tapete vermelho de seu palácio para receber mortais capazes de impedir a vilania de variantes genéticas. Pois estejam preparados. O resgate está em curso.

Literatura de apoio ao texto:
https://abraz.org.br/sobre-alzheimer/o-que-e-alzheimer/
https://informasus.ufscar.br/doenca-de-alzheimer-saiba-mais-sobre-a-principal-causa-de-demencia-no-mundo/
https://www.nih.gov/news-events/nih-research-matters/study-reveals-how-apoe4-gene-may-increase-risk-dementia
https://www.nature.com/articles/s41586-022-05439-w
https://www.vanityfair.com/hollywood/2022/11/chris-hemsworth-exclusive-interview-alzheimers-limitless
https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT05607615?term=cyclodextrin&cond=alzheimer&draw=2&rank=1
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/a/alzheimer
https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/71/wr/mm7120a2.htm?s_cid=mm7120a2_w



Autor: Prianda Laborda
Publicado em: 2023-04-07

© 2022 Copyright Mundo DNA
Este site não usa cookies